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#1
 Mikáá

Mikáá
Membro
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Durante muitos anos, as pessoas acreditaram que o cérebro, tal como o corpo, repousava durante o sono. Afinal, ficamos inconscientes pelo sono. Talvez - pensava-se - o cérebro só precise de parar de pensar durante umas horas todos os dias. Engano. Durante o sono, o nosso cérebro - o órgão que nos obriga a dormir - continua extraordinariamente activo. E grande parte dessa actividade é para ajudar o cérebro a aprender, a recordar e a fazer associações.

Não foi há muito tempo que a piada deplorável nos círculos da investigação era que toda a gente sabia que o sono tinha algo a ver com a memória - excepto as pessoas que estudam o sono e as pessoas que estudam a memória. Depois, em 1994, investigadores israelitas descobriram que a média de desempenho de um grupo de pessoas num teste de memória melhorou quando o teste foi repetido depois de um intervalo de muitas horas durante o qual alguns pacientes dormiram e outros não. Em 2000, uma equipa de Harvard demonstrou que essa melhoria ocorria somente com os que dormiam.

Há diferentes tipos de memória - incluindo a declarativa (informação recuperável, baseada em factos), a episódica (acontecimentos da nossa vida) e a processual (como fazer as coisas). Os investigadores conceberam formas de testar cada uma delas. Em quase todos os casos, quer o teste envolvesse recordar pares de palavras, premir teclas numeradas por uma determinada ordem ou adivinhar as regras de um jogo de previsão do tempo, 'dormir sobre o assunto' depois de se saber a tarefa melhora o desempenho. É como se o nosso cérebro se esforçasse, trabalhando um tempo extra enquanto dormimos.

Isto não quer dizer que não possamos formar recordações quando estamos acordados. Mas o sono tornará a sua lembrança mais provável. Experiências com privação do sono mostraram que um cérebro cansado tem dificuldade em captar recordações de todos os tipos. Curiosamente, é mais provável que a privação do sono nos faça esquecer informação associada a uma emoção positiva do que informação ligada a uma emoção negativa. Isto pode explicar, pelo menos em parte, porque é que a privação do sono pode provocar depressão em algumas pessoas: é mais provável que as recordações de emoções negativas 'se colem' num cérebro privado de sono.

Também parece ser durante o sono que os dois sistemas de memória do cérebro - o hipocampo e o neocórtex - 'falam' um com o outro. As experiências que se transformam em recordações são colocadas primeiro no hipocampo, obliterando tudo o que lá esteja antes. Para reter uma recordação, esta tem de ser transportada do hipocampo para um lugar onde perdure - o neocórtex, a camada exterior enrugada do cérebro, onde têm lugar os processos mentais superiores. Ao contrário do hipocampo, o neocórtex tem a mestria de entrelaçar o velho com o novo. E, em parte porque mantém a informação que entra à distância, o sono é a melhor altura para o 'não distraído' hipocampo transportar recordações para o neocórtex e para o neocórtex as ligar às respectivas memórias.

De que forma é que o sono nos ajuda a consolidar as recordações é ainda um grande mistério. Um estudo recente da Universidade de Lübeck, na Alemanha, propõe-nos uma pista: antes de adormecer, foi fornecida a um grupo de indivíduos uma lista de 46 pares de palavras para memorizarem. Pouco depois de adormecerem profundamente, ao alcançaram um estado de sono profundo, foram-lhes transmitidas correntes eléctricas através de eléctrodos colocados na cabeça para induzir ondas cerebrais muito lentas. Estas ondas lentas foram induzidas de forma aleatória no cérebro de um grupo de pessoas, mas não no outro. Na manhã seguinte, o grupo que recebeu as ondas lentas lembrava-se melhor das palavras. Os outros tipos de memória não foram melhorados, e a indução de ondas lentas mais tarde durante a noite não provocou o mesmo efeito. Porquê e como é que as ondas lentas melhoraram a memória ainda não foi compreendido, mas pensa-se que podem alterar as forças das ligações químicas, ou sinapses, entre pares específicos de células nervosas no cérebro. As recordações são 'armazenadas' nestas sinapses: mudar a força das sinapses aumenta a força das recordações que elas armazenam.

Não é só a memória que melhora ao dormir. Estudos recentes indicam que o sono não só ajuda a armazenar factos como também ajuda a estabelecer ligações entre eles. A história está repleta de episódios de cientistas que experimentaram revelações nocturnas. Dmitri Mendeleev acordou de um sonho que lhe deu a ideia da tabela periódica de elementos - um marco na história da química. Tais episódios não provam que o sono pode produzir revelações, mas um estudo recente de Ullrich Wagner e colegas na Alemanha prova-o. Wagner recorreu a um puzzle em que era dado aos participantes um conjunto de números e lhes era pedido para fazerem uma série de sete cálculos baseados nesses números. O sétimo cálculo (que dependia dos seis precedentes) era a 'resposta'. Os participantes jogaram repetidamente o mesmo jogo, com as mesmas regras, mas com números diferentes. Alguns dos participantes jogaram o jogo de manhã, depois fizeram outras coisas durante cerca de oito horas, jogando então de novo. Outros começaram o jogo ao anoitecer, pararam para dormir e jogaram novamente quando acordaram.

Os jogadores que dormiram saíram-se um tanto melhor, mas não foi esse o resultado mais importante. Inteligentemente, os investigadores estruturaram o jogo de tal forma que o segundo cálculo dava sempre a mesma resposta que o sétimo cálculo - a resposta final. Se os jogadores reconhecessem esta 'regra escondida', podiam dar a resposta final mais rapidamente - e a rapidez fazia parte do jogo. Nos jogadores que dormiram, a probabilidade de ter a lucidez para descobrir a regra escondida era quase três vezes superior - apesar de não ter sido dito a nenhum deles que havia uma regra escondida a descobrir. O sono tinha-lhes permitido ligar os pontos.

Porque é que isto é importante? Alguns investigadores do sono consideram que, por cada duas horas que passamos acordados, o cérebro precisa de uma hora de sono para entender o que significam todas as experiências e que o sono desempenha um papel crucial na construção do significado das nossas vidas. Anomalias neste processamento tão dependente do sono podem levar a um estado de depressão e podem explicar por que razão algumas pessoas que sofrem traumas terríveis desenvolvem depois SPT (stresse pós-traumático).

Uma melhor compreensão de como o sono liga as nossas recordações poderá levar à criação de novas tecnologias para melhorar a aprendizagem, a memória e a criatividade, e até ajudar no tratamento de algumas doenças psíquicas. Mas talvez que a razão mais importante seja simplesmente esta: somos uma espécie curiosa; gastamos cerca de um terço das nossas vidas a dormir; e percebemos como sabemos pouco desse terço das nossas vidas. Por isso continuamos a fazer experiências, esperando compreender melhor o sono. E talvez um dia o consigamos. Depois de termos dormido sobre o assunto.

* Stickgold é professor associado de psiquiatria na Harvard Medical School e Beth Israel Deaconess Medical Center. Wehrwein é editor da Harvard Health Letter Exclusivo Expresso/Newsweek. Tradução de AIDA MACEDO

Texto publicado na Revista Única da edição do Expresso de 15 de Agosto de 2009

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