Postado Qua 2 Mar 2011 - 12:01
Durante 16 anos, os transexuais portugueses realizaram as cirurgias de mudança de sexo no Serviço Nacional de Saúde, deparando-se com o facto de ter de processar o Estado em tribunal, para alterarem o nome e o sexo na sua documentação. Agora, com a promulgação por Cavaco Silva do diploma que simplifica o procedimento no Registo Civil e desjudicializa a segunda fase do processo, aqueles cidadãos não têm quem os opere.
O Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa, ficou sem o clínico que assegurava em Portugal as operações de mudança de sexo e não conseguiu substitui-lo. Autor de uma técnica cirúrgica inovadora em todo o mundo, João Décio Ferreira decidiu abandonar o Serviço de Cirurgia Plástica daquela unidade, devido à proposta que administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte lhe fez para se manter ao serviço, após se ter reformado aos 65 anos, em 2009.
Segundo o cirurgião, com 42 anos de serviço, a proposta passava por receber um salário "ofensivo". "Propuseram-me um horário de 35 horas semanais pagando-me um terço da reforma ou do ordenado. Isto é, seis euros por hora, sem descontar o IRS", explicou, ao JN. "Isto é menos que uma empregada doméstica. Quase uma esmola dada pelo Serviço Nacional de Saúde, que não tem mais ninguém para tais tratamentos cirúrgicos. E o jovem que ficou no Santa Maria ainda tem dois anos de especialidade pela frente", acrescentou.
"Ainda trabalhei e operei no mês de Janeiro de forma grátis. No mês de Fevereiro tenho ido a vários hospitais sem ganhar um cêntimo", revelou o médico, de 66 anos, admitindo só colaborar "por amor à camisola". "Por 10 horas de bloco operatório (cinco cirurgias) receberia menos de 40 euros", frisou.
Nos últimos anos e graças a técnicas que permitem ora construir uma vagina com intestino delgado, ora a construção de um pénis com tecido da zona abdominal e enxerto de cartilagem da costela, João Décio Ferreira tornou-se não só conhecido mundialmente, como, depois de reformado um outro profissional na área, assumiu a transformação dos transexuais portugueses na totalidade. Tanto que, por aqueles, é visto como "um segundo pai".
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